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Reportagem: Vou cantar-te nos meus versos

Brasil, meu brasil brasileirinho, ouça com tanto carinho a verdadeira e representativa canção que o meu país fez para você.

Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, havia mais de 2 milhões de índios espalhados por todo o território. A música tradicionalmente conhecida entre os europeus miscigenava-se com a dos índios que aqui viviam, povos de cultura diferente da dos brancos ocidentais. Dentro desse contexto e contato entre as raças e culturas, a música brasileira adquiria a sua primeira identidade como música colonial da nação.

No século XVII, quando os jesuítas aportaram no Brasil com a função de catequizar os índios, a música colonial brasileira passava por um processo de transformação mais intenso. O uso de solos e coros, acompanhados pela dança, bater de palmas, dos pés, das flautas, apitos, cornetas, chocalhos, varetas e tambores eram os principais elementos da música indígena que se chocava com a técnica portuguesa. A partir dos rituais religiosos das missões jesuítas nasciam os primeiros cultos folclóricos populares dos habitantes locais como o ‘reisado’ e o ‘bumba-meu-boi’.

A evolução desses ritmos primitivos, como o cateretê ou o cantochão são ainda hoje tocados em festas populares. A música popular do Brasil só se tornaria mais forte no final do século 17, com o lundu, dança africana de meneios e sapateados, e a modinha, canção de origem portuguesa de cunho amoroso e sentimental. Esses dois padrões, a influência africana e a européia, alternaram-se e combinaram-se das mais variadas e inusitadas formas durante o percurso que desembocou, junto a outras influências posteriores, na música popular dos dias de hoje, que desafia a colocação de rótulos ou classificações abrangentes.

Com o passar do tempo, ritmos como choro, polca, samba, o uso do gramofone, o carnaval carioca e novas danças como o maxixe se incorporaram na música brasileira, que diante de tantas misturas, se tornou rica nos seus diferentes sons, ritmos e melodias. Em épocas de guerra e crises no país, o Brasil musical mostra que a crítica política e social em forma de representação artística faz poesia ao mesmo tempo em que constrói a consciência na população.

No Brasil Musical de 2006, o uso da verdadeira identidade da música brasileira tem sido relegada a segundo plano. É claro que ainda existem cantores e melodias que fazem parte da população admiradora desse tipo de expressão artística se orgulharem, entretanto, o ritmo americanizado, com falta de inovação, tem invadido as rádios e produtoras musicais brasileiras.

A estudante do terceiro ano de música da Universidade Estadual de Londrina, Luci Amália Dorme, de 21 anos, se diz decepcionada com a atual preferência musical dos brasileiros. “No período da Bossa Nova houve a incorporação do Jazz na música brasileira, o surgimento de novas correntes de samba e de músicas de protesto, agora não surge mais nada. As músicas que tocam atualmente são pops, americanizadas, que são imitações de parte das músicas norte-americanas”.

Exemplos não faltam de expoentes dessa nova geração de cantores com suas versões musicais americanizadas que abarcaram no Brasil. O mais simples melodicamente, sem inovação, letras e harmonias pobres tem sido a preferência da população. Originários em parte do consumo de produtos e culturas americanas, ou talvez, da falta de conhecimento crítico da maioria dos brasileiros, o surgimento de novas correntes musicais de qualidade tem crescido a passos lentos.

Ligando a TV em um domingo à tarde ou relaxando na praia, o que mais se ouve é sempre o funk de Tati Quebra Barraco, e em outros tempos, O Bonde do Tigrão, a valsinha pop de KLB, Sandy e Júnior, Wanessa Camargo, sem faltar é claro, do grupo mexicano mais tocado ultimamente, Os rebeldes, e do acervo americano formado por Nelly Furtado, Backstreet Boys, Jeniffer Lopez e Britney Spears.

Em festivais de Música, a exemplo do que se realiza em Londrina, o Festival de Música de Londrina, a tradição da nossa música brasileira é bem representada. Além de oficinas ministradas por professores gabaritados, o evento disponibiliza uma extensa grade de programação de qualidade e muito diversificada. Segundo o diretor do festival, Marco Antônio de Almeida, o slogan do evento este ano é “O Festival de todas as músicas”, por retratar o perfil heterogêneo em se tratando tanto de gêneros musicais, quanto também das apresentações destinadas ao público infantil.

A  26ạ edição do festival de música deste ano, que se realiza entre os dias 13 a 29 de julho, vai oferecer 80 apresentações em Londrina e região, abrangendo música sinfônica, música popular, ópera, música de câmera, cultura popular, música histórica e coral. Ao contrário do novo tipo de música que estão fazendo sucesso nas rádios, a proposta do Festival de Música é trazer oficinas e repertórios de qualidade, ao mesmo tempo em que estimula a população a entrar em contato com diversos gêneros musicais de grande importância.

“O Festival de Música é muito importante! Porque além de trazer apresentações interessantes, traz professores de alto nível, coisas bem ricas e importantes para a carreira de qualquer pessoa que quer se tornar músico, como eu”. – revela Luci.

Ainda de acordo com a estudante de música Luci Amália Dorme, o Brasil, apesar da má fama musical atual, apresenta apenas uma pequena parte de artistas que possuem repertório qualificado. “Maria Rita, Tom Jobim, Djavan, Hermeto Paschoal, entre outros. É um estilo musical que eu gosto, pelo material que eles usam com ritmos, melodias e harmonias inovadoras. O Hermeto é um ícone mundial da música brasileira. Digamos que ele é o que mais importa a nossa música, mostra como ela é boa lá fora”, complementa Luci. Inspirada nos sons musicais de meu Brasil digo: Brasil, meu brasil brasileirinho, ouça com tanto carinho a verdadeira e representativa canção que o meu país fez para você.

Cara Do Brasil – Ney Matogrosso

Composição: Celso Viáfora, Vicente Barreto

Eu estava esparramado na rede
jeca urbanóide de papo pro ar
me bateu a pergunta, meio à esmo:
na verdade, o Brasil o que será?
O Brasil é o homem que tem sede
ou quem vive da seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
o que vai é o que vem na contra-mão?
O Brasil é um caboclo sem dinheiro
procurando o doutor nalgum lugar
ou será o professor Darcy Ribeiro
que fugiu do hospital pra se tratar
A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se virar sozinho
decerto então nunca vai dar
O Brasil é o que tem talher de prata
ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
o Brasil gordo na contradição?
O Brasil que bate tambor de lata
ou que bate carteira na estação?
O Brasil é o lixo que consome
ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
que é o Brasil zero a zero e campeão
ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho… O Brasil é uma foto do Betinho
ou um vídeo da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília
ou os trens de subúrbio da Central?
Brasil-globo de Roberto Marinho?
Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
ou quem das ilhas vê o Vidigal?
O Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação? A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho …

Reportagem realizada em 2006

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