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Reportagem: Pouco importa a velhice, que é a velhice? (Carlos Drumonnd de Andrade)

Flats residenciais à terceira idade já são realidade em São Paulo  

“Chegou um tempo em que não é mais preciso querer morrer, o bom é viver. Um tempo em que a vida não é mais uma ordem, como dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade. Nada disso: é indício de felicidade. Apenas, a vida, e isso já diz tudo”.

O Brasil possui um dos maiores índices de pessoas idosas do mundo. Segundo dados de 2002 do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 14,5 milhões de velhinhos residem aqui, o equivalente a pouco mais de 7% da população.  Levando em conta esses dados, novas estruturas foram criadas para atender a esse crescente perfil, que possui uma longevidade de vida cada dia maior e exige envelhecer com qualidade de vida. Para dedicar atenção especial a esse público, surgem no mercado os residenciais para a terceira idade, que fornecem atendimento diferenciado para quem pretende ainda viver muitos anos com saúde.

Celina Catan Bastos Pires Martins, de 97 anos, quase 98, como ela mesma faz questão de dizer, é uma das moradoras desta nova empreitada. Há 5 cinco anos fechou seu apartamento e fez sua mudança para um dos flats especializados á terceira idade em São Paulo, e não se arrepende. “Eu gosto principalmente é da companhia de pessoas da mesma idade, tenho muitos amigos, olha um aqui do meu lado. Nós conversamos e ás vezes, nos sábados á tarde, temos uma horinha de happy hour. Preparamos uma bebidinha, com certa medida, é claro, né? E também o salgadinho. Às vezes vamos também a concertos, ao cinema, a bingos e tudo disso diverte muito a gente”.

Um novo cenário

Na Europa e nos Estados Unidos, flats à terceira idade são estabelecimentos bem procurados e utilizados há bastante tempo. No Brasil, os primeiros e poucos começaram a despontar há menos de 10 anos. Os serviços dessas novas moradias compreendem atendimento médico 24 horas, acompanhamento nutricional, atividade física geriátrica e passeios culturais, além dos cuidados estruturais do estabelecimento, como hotelaria e governança, e um equipado sistema de segurança com câmeras de vigilância e o fornecimento de barras de apoio no banheiro e pisos anti-derrapantes. Para evitar acidentes, as áreas comuns são 100% planas.

A diretora executiva do Residencial Santa Catarina, Clestiane Cardoso Birelo, conta que a idéia de se fazer um flat destinado á terceira idade, surgiu em meio a pesquisas realizadas na cidade de São Paulo e ao número de pessoas idosas existentes, e o quanto exigiam cuidados para obterem uma boa qualidade de vida. Porém, adverte, não são todos os idosos que possuem o perfil de um residente para esse tipo de flat: “geralmente quando o idoso vem visitar o residencial e se sente interessado em morar ou fazer uma experiência, ele tem que ser avaliado pela nossa equipe médico-geriátrica. Então, para ele ser admitido, tem que ser alguém independente, ativo. Porque nós oferecemos todos os serviços, e é interessante que venha aquele que vá usufruir de toda nossa estrutura. Existem casos em que não admitimos, pessoas muito convalescentes, com algumas patologias que não se enquadram com o nosso público do residencial. Nós não podemos administrar esse tipo de cliente, não é o nosso perfil.  Por isso, indicamos outro serviço para a família e para o residente.

Dulce Cruz Monteiro Leite, de 81 anos, também tece elogios à sua nova moradia. “Eu me mudei para o flat para me restabelecer de uma cirurgia cardíaca, porque o atendimento médico aqui é muito bom e nós temos também enfermeiras, psicólogas, além de acompanhamento nutricional e atividade física monitorada, por isso, gosto demais daqui, da companhia de novos amigos, desse ambiente. Nós passeamos muito, fomos esses dias ao teatro ver “My Fair Lady”, a Walquíria, nossa professora de arte que leva a gente”.

Walquíria Ferraz, a professora de arte do flat Santa Catarina, ministra aulas de artesanato há 5 anos e toda semana se encarrega de levar os residentes para atividades de lazer internas, como bingos e saraus, externamente, a passeios em teatros, cinemas, exposições e visitas a cidades históricas. “Eu gosto muito do que eu faço. Nas atividades de artesanato, por exemplo, nós trabalhamos com telas, com material reciclável, com madeira, com isopor, e essa hora de aula é muito gostosa, porque eles conversam, batem papo, contam piadas, trocam idéias, é muito bom! E sair com eles também é muito divertido e construtivo. Eu costumo dizer que aqui, eu estou dentro de uma universidade que eu não quero me formar, porque todos os dias eu aprendo. É uma dedicação de ambas as partes, assim como eu recebo eu também dou, eu acho que isso para mim é muito bom”, comenta satisfeita Walquíria.

Os ombros que sustentaram O velho Mundo

Irene Siqueira, de 80 anos, conheceu os serviços de um flat para a terceira idade por acaso, e não sai de lá por nada. “Uma vez o meu irmão me convidou para ir a um sarau aqui no residencial, e eu fui, e como eu gosto de música, inclusive fui pianista, achei o ambiente muito alegre e agradável! Aqui uma pessoa toca, outra canta, é muito bom! Então eu pensei: puxa, é um lugar bom para eu vir. Porque eu ficava sozinha no meu apartamento e a empregada chegava e ficava me olhando, mas antes de me casar eu avisei ao meu marido: se eu tiver dez filhos eu tomo conta dos meus dez filhos, porque eu morro de ciúmes dos meus filhos, agora, cozinha, não me ponha porque eu não sei nada, só servir água.”

Dona Celina também não perde uma festa, além da conversinha entre amigos e do caderninho de palavras cruzadas que ela tanto gosta, não se cansa nunca. “No residencial, quando alguém faz anos, eles desocupam o salão de jantar, encostam as mesas e a gente arruma a música. Eu mesma no meu aniversário, contrato um pessoal que toca, são três pessoas. Um violão, violino e não sei mais o que. Contrato também alguns rapazes que vêm dançar. Eu danço qualquer coisa, até de cabeça para baixo”, conta ao risos a forte e enxuta Celina Catan Bastos Pires Martins, de 97 anos, quase 98, que parece não se importar com a proximidade de seu um século de vida.

Reportagem realizada em 2007

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