Novas vertentes estéticas e tecnológicas possibilitam a criação de uma nova poética em ambientes virtuais multiusuários
Uma onda no meio do mar projetada pela tela de um computador, um peso repleto de frases dispostas em ordem aleatória, a lua na água refletida ao revés, a tridimensionalidade das palavras, a fusão entre imagem, som e expectador em uma cortina de sonhos e um etc e tal, um etc e tal e um etc e tal. A descrição acima é resumo de alguns trabalhos desenvolvidos por artistas expoentes da poética interativa, representativos da cultura da interface muito bem definida por Steve Jonshon.
Segundo Jonshon, o microcomputador e suas variáveis tecnológicas fazem parte de uma complexa rede de informações, que pode assim, por meio da interação e do uso de diversas linguagens sensoriais, produzir um efeito artístico e poético. Silvia Laurentz, professora de multimídia e intermídia, da ECA, USP, é autora de mais de 20 projetos relacionados com a mais nova vertente poética. Ganhadora do segundo prêmio cultural Sérgio Motta, com a obra percorrendo escrituras, a autora apresenta através da web, palavras, entrecortadas por efeitos sonoros e visuais, e o resultado é estético, inovador e interativo, que segundo Silvia “é uma maneira de procurar novas expressões através dos dispositivos da linguagem de computação”.
Entre as obras de Silvia, encontra-se comunidade de palavras, de co-autoria de Martha Gabriel, móbile em versão, 1, 2, 3 e 4 e percorrendo escrituras. O primeiro a pessoa participa escrevendo uma frase ou poesia, confirma no micro e o poema entra na tela em um ambiente tridimensional. As palavras mais digitadas se mantém no programa, que também as organiza por meio de similaridades fonéticas, como por exemplo, portas, tontas, tortas. Em um dos móbiles o usuário também pode interagir escrevendo, mas, dessa vez sobre pesos, em formatos de fotografias, que se alinham de acordo com o “peso” de cada idéia. Se preferir, há a opção de se escrever de forma invertida e formar um reflexo de sua frase. Ao se deparar com uma onda de vocábulos formados pela palavra “mar”, basta um clique para que ela se movimente e dê a impressão de vai nos engolir. Ainda é possível observar a infinidade de palavras em uma perspectiva de um etc sem fim.
Em todas as obras de Silvia, estão presentes diversos programas de interação poética, com uso de elementos computacionais, tecnológicos, sonoros, visuais, e quem diria, matemáticos. A artista refere-se a esta ciência de forma diferente: “chamo de perfume matemático, porque ela é bela”, afirma.
O Itaú Cultural, com a exposição “Memória do Futuro”, iniciada em 4 de julho e término previsto para 9 de setembro, apresenta diversos trabalhos caracterizadores da poesia interativa. Rejane Cantoni e Daniela Kutschat, também ganhadoras do prêmio cultural Sérgio Motta e do Itaú Transmídia, são autoras de Op_Era Sonic Dimension. A obra, tecnicamente, é um cubo preto coberto por linhas sensórias semelhantes às cordas vocais, que ao entrar em contato com sons e movimentos do interator responde com ruídos e freqüências auditivas correspondentes as oscilações das linhas, a mensagem que a obra propõe a trazer é convidar o expectador a pensar um pouco sobre si mesmo, como atesta Daniela: “ O objetivo do nosso trabalho é questionar qual é a realidade na qual nós vivemos e em que mundo contemporâneo nós estamos inseridos, os nossos corpos já estão estendidos por tecnologias, então, é essa arte que a gente está produzindo e é com esse homem de hoje, com as questões de hoje, com a imersão desta pessoa nessas propostas da forma mais intuitiva e natural possível, sem grandes livros e sem grandes bulas”.
Para Rejane e Daniela, a poética do trabalho está relacionada com a interação homem, espaço inseridos no mundo contemporâneo: “poética é uma questão contemporânea que se relaciona arte, ciência e tecnologia. O foco central do nosso trabalho é a pesquisa de conceitos do espaço, tanto artísticos quanto científicos e o homem, com as suas interfaces naturais, ou seja, a possibilidade de ver, ouvir, sentir, cheirar, tocar. Então a questão poética para nós é essa questão de tornar visualizável aquilo que é audível, tocar o som e visualizar o som, como ele se propaga no espaço e na física. E se a pessoa for surda? Se a pessoa for cega? Como é que ela vai se relacionar com essa experiência? Nós estamos privilegiando o homem e as suas interfaces, é uma relação cognitiva, que muitas vezes não se entende, porque não se experimenta, não se vê, não se enxerga, não se vivencia”.
Silvia Laurentz diz que a poesia presente em suas obras baseia-se na interação entre multiusuários e na apropriação da tecnologia, das palavras, da física e da matemática, pouco aplicáveis em rígidos padrões poéticos: “se antes existia uma métrica, que orientava a poesia, qual é a métrica hoje? Eu posso pôr conceitos da física, por exemplo. Nós podemos nos apropriar disso e ampliar esse conhecimento, e assim, criar novas vertentes estéticas a partir das possibilidades do computador. Depois da poesia concreta, da poesia visual e todos esses autores atuais, e a partir do momento que eu uso a questão poética e trabalho com o texto, eu estou fazendo poesia. Existem sempre aquelas linhas mais duras que determinam fronteiras entre essas coisas, mas eu não tenho me incomodado muito, deixo isso para os críticos”.
Reportagem realizada em 2007