A licença-gestante (ou licença-maternidade) foi criada com dois objetivos iniciais: resguardar a saúde da gestante nos momentos pré e pós-parto e assegurar os cuidados necessários da criança recém-nascida através do convívio com a mãe.
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência modernas, tentando acompanhar a evolução social, vem flexibilizando a concessão do referido benefício para suprir situações em que, por vezes, é necessária apenas a proteção à saúde da gestante (no caso de licença concedida por aborto espontâneo) ou na hipótese em que a maternidade ocorre sem gestação, contemplando-se apenas o convívio familiar (no caso, por exemplo, da licença concedida à adotante).
Nesse sentido, a previsão de concessão de licença para os casos de maternidade sem gestação trouxe a lume a constatação de que o fator biológico não é requisito essencial para a concessão do benefício, sendo definitivamente superado por uma interpretação sistemática da ordem constitucional. Nessa linha de raciocínio, é possível observar que juízes e Tribunais de diversas esferas passaram a reconhecer a possibilidade de concessão da licença-gestante em hipóteses em que não há nenhum vínculo biológico entre a mãe e a criança. Destaca-se, nesse sentido, o gozo do benefício por adotantes (conforme supramencionado); decorrente de fertilização in vitro, com gestação realizada por terceiros; e pelo pai ou outro parente em decorrência de óbito ou impossibilidade física da mãe, sendo todas as hipóteses contempladas tanto para casais heteroafetivos quanto homoafetivos.
A hipótese de concessão da licença à mãe não gestante em substituição à gestante, traz mais uma inovação a ser considerada no mundo jurídico. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, compreendendo a importância da discussão, reconheceu a repercussão geral de caso idêntico ao tratado nos presentes autos no Recurso Extraordinário 1.211.446, Tema 1.072, em que o Procurador-Geral da República proferiu parecer destacando que: a mãe gestante atua profissionalmente como autônoma e não usufruiu da licença-maternidade, sendo, por isso, assegurada a outorga do benefício à mãe não gestante.
A hipótese de substituição do sujeito beneficiário da licença também não é um tema inédito na legislação brasileira. VIII. A Lei 12.873/2013, de 24 de outubro de 2013, inseriu o §5º no artigo 392-A da CLT, que possui a seguinte redação: A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença-maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou empregada. Assim, para os casos de adoção conjunta, a Lei passou a permitir que os próprios pais escolham quem será o beneficiado com a licença.
No âmbito da Administração Pública, já é possível encontrar orientações no sentido de aplicar a referida regra para as hipóteses em que ambos os adotantes são funcionários do mesmo órgão. Diante disso, é possível concluir que a licença-gestante (ou licença-maternidade) vem sendo cada vez mais flexibilizada para se adequar às novas realidades sociais em razão do conceito extensivo de família adotado pelos Tribunais Superiores. Dessa forma, a jurisprudência vem dando um maior peso ao período de convívio da criança no seio familiar para a concessão do benefício, independentemente da existência da gestação e, por vezes, até mesmo da figura materna.
Em um caso específico a respeito do assunto, Ana Paula de Oliveira Amaral Mello pleiteia a concessão da licença à gestante em razão do nascimento de sua filha Antônia Amaral Mello Roveratti, em 15 de novembro de 2019, concebida por sua esposa Nicole Roveratti. Alega, ainda, que a sua esposa é profissional autônoma e, portanto, o seu afastamento para cuidar da filha recém-nascida representaria significativa redução da renda familiar.
Pela documentação acostada aos autos, verifica-se que a esposa da autora atua como advogada e recebe intimações para o cumprimento de prazos em seu nome, atuando, inclusive, em defesa da autora nesta mesma ação. Ademais, ainda que estivesse disposta a se afastar de suas atividades, a redução de sua renda poderia comprometer o orçamento familiar justamente no momento da chegada da criança, o que refoge à razoabilidade. Assim sendo, considerando a necessidade de proteção à criança e a prevalência dos Princípios do Melhor Interesse da Criança, inerente à doutrina de proteção integral (CF, art. 227, caput, e ECA, art. 1º), o juízo reconhece o direito ao benefício pleiteado.
Por Carla Benedetti, sócia da Benedetti Advocacia, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP, associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), coordenadora da pós-graduação em Direito Previdenciário do Estratégia Concursos