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Crônica: Viagens de ônibus

Desde que passei a namorar à distância, há cada duas semanas me aventuro a viajar pelos ônibus da Garcia. E em simples viagens de rotina, histórias não me faltam a contar. Gente que comprou o mesmo assento do banco de viagem, peões de Barretos que cantam seu sertanejo durante uma pequena parte do percurso, um bando de homens bêbados com aquele cheiro de cachaça ”prontos” para viajar, pessoas que roncam “bem alto” durante toda a viagem.

A última história foi de um senhor sentado ao meu lado. Logo que entrei no ônibus e avistei o meu assento ele perguntou: “você quer sentar do lado da janela e trocar de banco comigo?” Aí eu perguntei: “Mas você quer sentar no corredor?” E ele respondeu parecendo entusiasmado que para ele tanto fazia.  Um pouco desconfiada, nós trocamos de banco, já que eu prefiro a janela.

Logo, o senhor se põe a conversar comigo e a contar suas histórias: “Nossa! Sabe, eu conheci uma mulher na internet, mais ou menos da minha idade, 48 anos, e nós começamos a conversar no msn, usávamos a webcam, aquela coisa sabe, e então eu vim para Ribeirão Preto encontrar com ela, nós ficamos, noivamos e vamos casar em Julho”.  E eu sem saber o que responder e ao mesmo tempo achando positivo aquela felicidade corajosa e aparente respondi que era legal.

Ainda conversando ele me perguntou o que eu fazia, eu disse jornalismo e ele respondeu desanimado um haan. Quando perguntei o mesmo para ele me disse que era veterinário aposentado e que foi professor da UEL, me falou de seu nome que eu não me lembro. Ainda me contou que morava em Rolândia e que tinha um sítio lá. E eu só respondia, ah, que legal.

Durante a viagem, dormi, ou pelo menos tentei, cada vez que eu virava a minha cabeça, olhava a janela, ele sempre dizia alguma coisa, queria conversar. Tinha que fingir que estava dormido, senão, ele falava alguma coisa. Estava sonolenta, meio dormindo, meio acordada, e ele sempre dizia algo para me convencer a ficar conversando com ele naquela madrugada. Não podia me mexer, pois, certamente iria ouvir a voz dele.

Lembro-me de uma hora em que o ônibus parou em Santa Mariana para deixar algumas pessoas. O senhor saiu do ônibus, mas o destino dele era Londrina. Me perguntou: “você não vai descer?” Eu disse que não, que naquela cidade eram para descer somente as pessoas que fossem ficar lá. Ele desce mesmo assim e depois de um tempo aparece. Volto a dormir, ou a tentar, fingir dormir. Então, quando estou em Londrina, perto da Rodoviária, o senhor olha para mim como se tivesse me conhecido há muito tempo e diz: “olha, eu preciso contar uma coisa para você, eu menti, eu não sou veterinário e eu sou jornalista. Trabalhei muitos anos na RPC e ajudei a fundar o Jornal de Londrina. Todo mundo do departamento de comunicação me conhece e fala:” ah, mas você concorda comigo que se eu falasse a verdade iria parecer que eu estava querendo me aproximar de você, né?

Sem entender nada e agora desconfiada pensando que realmente ele estava querendo se aproximar de mim, ele com um terço na mão dizendo que estava rezando em toda a viagem para que a filha dele não brigasse com ele por conta do casamento, disse que iria me adicionar no orkut e perguntou o meu nick. Então, sem querer dar o meu nome para alguém um tanto “estranho”, disse que eu mesmo o adicionaria e perguntei o seu nome. Quando cheguei em casa, curiosa fui procurar por tal nick, nada encontrado. E pensei, ele mentiu outra vez, ou talvez todas. Acho que se eu for procura-lo como passageiro do dia tal do assento tal na Viação Garcia, pode ser que não o encontre, que digam que esse homem não existe. Ah!  Quem sabe tudo não passa de uma ilusão e talvez eu esteja em Matrix.

Crônica feita em 2005

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