Minha terra tem gente de todo lugar, coisas que só encontro eu cá, negros, índios, mulatos, brancos e palmeiras onde canta o sabiá
Multiculturalismo, diversidades raciais, econômicas, sociais. Brasil das multicores, dos contrastes; do samba, da bossa nova, do rock, do funk, do rap, do forró, da MPB; da riqueza e da pobreza; da informação e da ignorância; do trabalho e da preguiça; do culto à devoção e do sincretismo; da ordem e da malandragem, enfim, um Brasil que além de todos os problemas advindos da miséria e da desigualdade social, possui, dentro da sua diversidade, um estilo, uma maneira peculiar de perceber e construir a realidade.
Em meio a tantas cores e diferenças, é mesmo complicado identificar culturalmente o Brasil. Vera Maria Candau, em Sociedade, Educação e Cultura, também questiona as diferenças brasileiras e a dificuldade de defini-las :seria “um país tropical e bonito por natureza” como canta Jorge Bem? Ou “A grande pátria sem importância”, onde “será meu fim ver TV em cores na Taba de um índio programado para só dizer sim”, de Cazuza.
Ainda de acordo com as observações de Vera Maria, ao adentrarmos na realidade da ficção científica, seria o Brasil o país em que Marcos Pontes descobre os caminhos da Estação Espacial Internacional, ou, encarando de maneira mais pessimista, o país onde crianças cortam cana 12 horas por dia nos canaviais do Norte Fluminense? O Brasil pode ser representado por mulatas sambando, futebol, praias paradisíacas, ou por trabalhadores que entram em ônibus superlotados para cumprir mais um dia de trabalho? A verdadeira representação seria a favela sem luz e saneamento básico, ou, o shopping center que vende roupas caras e equipamentos de alta tecnologia? A resposta um tanto difícil para essa questão, seria uma só: tudo isso.
Com tantas diversidades, um multiculturalismo mais do que evidente, é possível identificar o Brasil no meio do todo. Roberto da Mata em “O que faz o Brasil, Brasil?” divide o Brasil em duas partes: o Brasil com B maiúsculo e o com b minúsculo. Respectivamente, o primeiro designa um povo, um conjunto de valores e ideais de vida; e o segundo, a representação de um objeto sem vida, autoconsciente ou pulsação interior, pedaço de uma coisa que não tem a menor condição de se reproduzir como sistema. O Brasil com b minúsculo define um estilo próprio, um modo de ser, um jeito de existir, de resolver os problemas. Pela civilização e condição humana, a determinação é de que as pessoas devem comer, dormir, trabalhar, reproduzir-se, ter uma crença, morrer. Porém, não há especificação para que tipo de comida ingerir, de que modo e para quem produzir, com quem e com quantas mulheres ou homens amar e para quantos deuses e espíritos rezar. É por meio dessas particularidades que nascem as diferenças, os estilos, os modos de ser e estar, os jeitos de cada qual, e no caso do Brasil, o famoso “jeitinho brasileiro”.
Entre leis e regras, ordens que requerem a continência e a obediência estrita às leis, há a desordem carnavalesca, uma maneira de satisfazermos nossas vontades, mesmo que isso vá de encontro às normas e leis do país e da coletividade em geral. Essa maneira de resolver os problemas é conhecida como “malandragem” ou “jeitinho brasileiro”.
No Brasil, entre o “pode” e o “não pode” encontramos “um jeito”, não raro, dentro das próprias leis (uma lei salva a outra). Para muitos brasileiros, utilizar esse “jeito” diferente de resolver os problemas não é assim tão condenável: ficar malandramente “em cima do muro” pela relação social e pela sociedade é algo honesto, necessário e prático no caso do sistema brasileiro. O “jeitinho brasileiro” não é legítimo, mas funciona, e mais do que tudo, peculiariza a cultura brasileira, identifica o Brasil engendrado nos outros brasis.
E em meio a tanta diversidade, surgem personagens que mesclam a cultura nacional às outras culturas. João da Silva Pereira, solteiro, 23 anos, estudante de artes, amante de Crônicas, Clarice Lispector, MPB e da Bossa Nova, às vezes de Rock, sem muito apreço pelo futebol, romântico e sensível, com um lado espiritual sem uma crença religiosa, com medo do destino, às vezes tem a esperança de um mundo melhor. Perdidamente apaixonado. Adora as praias brasileiras, mas dispensa o feijão com o arroz, carne e batata frita (prefere a comida italiana). Odeia feijoada. Ama tirar fotos, mas não é japonês. Gosta de samba, da alegria, da diversidade de raças e cultura do seu país, é brasileiro. Ele é um pedaço do meu Brasil, do carnaval, da mulata, das praias, da Copa do Mundo, da “cidade maravilhosa”, mas também das desigualdades sociais, das favelas e das mansões, do ateu e da beata, dos autoritarismos políticos e econômicos, das promessas milagrosas e demagógicas dos políticos de plantão.
Reportagem realizada em 2006