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Crônica: Sobre como escolher ser feliz, lidar com as decepções e abdicar de outras alegrias

No réveillon de 2008 escrevi sobre tantas direções diferentes que tomei na minha vida. Em pouco tempo, troquei de profissão, terminei um relacionamento, mudei de cidade e revi tantos planos e sonhos. Em vista disso e por ser tão difícil digerir tudo, uma doença auto-imune tomou conta do meu corpo, me sinalizando sobre os cuidados que deveria ter: faltava atenção e precisava marcar um encontro de contemplação comigo mesma. Eram muitas mudanças, dúvidas, escolhas e pouco espaço para refletir sem me permitir chorar e vivenciar com mais intensidade e disposição as dores e as alegrias que aquelas decisões produziriam na minha vida e no meu futuro.

Acreditei muito nos sonhos que construí junto à minha personalidade, seja o de amor, da profissão idealizada e de um sentido de vida peculiar, por isso, desfazer o meu castelo e construir outro, me obrigou a decora-lo junto a minha alma, de um modo diferente, que não tornaria esse castelo, necessariamente, mais imponente e grandioso que o antigo, porém, talvez mais atento às minhas reais necessidades.

Certa de que não deveria retomar o caminho anterior, segui em frente, ainda relutante e em dúvida. Por um tempo considerável, lidava com certa dor o jornalismo não ser minha profissão de destaque, tão incômodo em meu coração quanto os questionamentos sobre “desistir” desta, o que nunca ocorreu em sua totalidade, e os pré-conceitos existentes sobre seguir o caminho teoricamente mais fácil de trabalhar com a família.

Em agosto, dez anos terão se passados desde que decidi construir esse novo castelo e decorar a minha alma de outra forma, o que me trouxe a certeza de que tomei a direção correta, mas que também me gerou uma estabilidade tão sólida quanto incômoda de que o material utilizado não me permite assim tantas liberdades para construir, sob o mesmo terreno, novas edificações, pois minhas escolhas foram concretizadas sob bases fortificadas por concretos tão densos que o mais aconselhável a se fazer, caso algum incômodo surja, é o de modificar talvez o mobiliário ou realizar pequenas reformas, tendo em vista a qualidade do material que tenho disponível.

Nesse contexto, o sentimento gerado não é o de arrependimento, nem de insatisfação, mas o desejo de liberdade de escolher tantos caminhos quantos forem possíveis, tal como nos é apresentado na adolescência ou de quando acabamos de nos tornamos adultos e em que todos os sonhos do mundo estão disponíveis. O que causa incômodo não é o material disponível, mas as escolhas que poderiam implicar em novas consequências para a vida.

Em 2008, tratei sobre as mudanças e escolhas da minha vida comparativamente ao filme efeito borboleta, quando um caminho é traçado e transformado, e, nesse sentido, outros tantos são abdicados, sendo claro o poder que nós mesmos temos de modificar a nossa vida e de direcioná-la, nos responsabilizando pelas consequências e voando, tal como a borboleta, para outros terrenos.

Já dizia Pablo Neruda que “você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. As consequências, no caso, podem ser belas e felizes ou tristes e infernais. Do mesmo modo, ao se escolher um caminho e uma direção feliz, se escolhe, na mesma medida, lidar com as decepções do próprio caminho feliz, mas com seus compreensíveis e naturais defeitos, abdicando-se, em certa medida, de outras passagens que também poderiam provocar risos e satisfações.

Em solo bem fortificado, em caso de dúvida e/ou insatisfação, o aconselhável não é o de se fazer uma demolição, mas talvez decorar a alma com um estilo mais peculiar ao momento e que respeita a nossa personalidade, intimidade e necessidade em processo de descoberta e reflexão se as escolhas diárias irão garantir mais felicidade e conquistas. O desafio é tratar, em alguns momentos, com menos angústia e dúvida, outros tantos caminhos que podem ser traçados e que também poderiam imprimir felicidade.

Crônica feita em 2017

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