Madrugada fria do dia 26 de agosto. Pela janela, do alto de um prédio, observo as primeiras barraquinhas da feira sendo montadas. Atento o meu olhar em uma Kombi azul; ao lado dela estava uma família de japoneses. Por um instante me recordo de Aya Ono, a Dona Iaiá, que durante muitos anos fez da feira o seu cotidiano.
Atualmente, a verdureira de 77 anos largou a feira e adentrou no mundo das celebridades. Pois é, em 20 de agosto, Dona Iaiá ganhou no Festival de Gramado o prêmio de melhor atriz coadjuvante por sua participação no filme Gaijin 2 -ama-me como sou, de Tizuka Yamazaki.
Mas o prêmio chegou de surpresa. A filha mais nova de Dona Iaiá, Érica Yurie Ono da Silveira, de 34 anos, foi quem deu a idéia para a mãe participar da seleção de atores de Gaijin. “Esta filha caçula estava trabalhando e telefonou para mim e falou para eu dar nome para Gaijin 2, disse que era o último dia. Então eu fui né, eu fui dar nome. Depois de três meses Dona Tizuka chamou, aí filha levou eu e fiz o pequeno teste, aí mandaram vir amanhã, aí eu filmei e continuei a ir a filmar”.
Dona Iaiá veio para o Brasil em 1933, aos 5 anos de idade. Morava na cidade de Cafelândia, interior de São Paulo. Ainda nova já trabalhava com seus pais no cafezal, a vida era difícil para ela. “Minha mãe chorava quase todo dia, não tinha verdura na fazenda. Precisamos comer mato, comia careru, folha de maria preta, folha de batata doce e fervia tudo. Depois podemos comer onça, mas ainda não estava bom. Nessa época, muita gente morria de “câimbra de sangue”, era uma diarréia que fazia a gente passar mal até morrer. Moço novo morria. Até eu quase morri. Isso há mais de 70 anos. Então meu pai comprou um pedaço de terra e plantamos algodão, mas veio a maleita e eu quase morri de novo. A minha família inteira quase morreu, nem sei como estou viva, todos os vizinhos morreram. Então meu pai vendeu o sítio e veio para Londrina trabalhar como colono, eu tinha 12 anos. Com 19 anos eu casei, meu marido era verdureiro e trabalhei na feira com ele quase 50 anos. Eu ia para a feira às 4 horas da madrugada, com criança nas costas, e vendia verdura na rua. Eu trabalhei bastante porque tinha 7 crianças para sustentar. Trabalhei tanto que só Deus sabe!”
O sucesso não deslumbrou Dona Iaiá. Ela conta que não deixou de fazer todas as tarefas do seu cotidiano. “Pra mim é tudo normal, gosta de flor, gosta de verdura pra mexer né, gosta de terra, sou acostumada. E vai no Karaokê, tem bastante amiga, vai na terceira idade, bastante amiga, vai na Igreja.”
A história de vida de Dona Iaiá é muito parecida com a própria história de Gaijin e de sua personagem, a Batyan. Segundo a cineasta Tizuka yamazaki, tal conhecimento do roteiro e sentimento com as cenas, foram determinantes para que Dona Iaiá arrancasse tantos aplausos. “Aya foi percebida por um assistente de direção que a viu entre as candidatas da figuração; uma pessoa extremamente simpática, muito dada, com um carisma enorme. Fiz um teste com ela, e nesse teste ela se mostrou extremamente sensível. Ela expõe imediatamente sua emoção, com o assunto do seu universo e se revelou com um potencial de emoção muito grande. Na hora que eu fiz o teste eu esperava que ela fosse render. Então, na medida em que eu fiz o teste e ela foi se soltando, ela foi se liberando, a gente viu que tinha na mão um grande achado. Era de uma pessoa com uma história dessa e um potencial desse que eu precisava.”
Dona Iaiá interpreta e explica a parte que mais gostou do filme: “Não, nunca vender minha terra, terra é minha vida, é vida de minha filha, vai ser de neta, é assim. Eu também não quero vender minha terra, eu não quero vender né, quero deixar para filho. No filme, o homem veio comprar e disse que dava o dobro, o triplo, bastante dinheiro para comprar aquela terra. E Batyan fala não, não é para vender. Então, na hora de filmar, Dona Tizuka falou:” Iaiá, que nem sua terra que foi comprada, fala a história lembrando disso “. Aí eu falei. Porque aqui eu economizei e comprei, trabalhei bastante. Então meu coração ficou emocionado”.
Dona Iaiá ainda está se acostumando com a fama. Diz que não entende porque tantos parabéns e que fica feliz pelo prêmio. “Tudo mundo fala:’ parabéns senhora, vamos tirar foto? Gracinha!’ Eu fico emocionada, contente, feliz, bastante feliz. Até a atriz dona Eva Vilma, falou: ’parabéns senhora’. Ah! Eu não compreendi porque, eu não compreendi”.
Reportagem realizada em 2005